quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O INEVITÁVEL.

Rita, mais uma vez, saíra de casa para o trabalho e com um beijo na testa se despedira do marido que dormia um sono profundo, todos os dias são assim, Rita entra três horas antes de Carlos. Ela prefere, pois ao voltar a casa consegue arrumá-la por completo e ainda faz a janta - tudo sozinha, acompanhada apenas pelo silêncio de seus pensamentos.

Casada desde os vinte e quatro anos, Rita já é uma mulher, apesar de manter a aparência de portar perto dos vinte e cinco, ela tem trinta, trinta e um. Principalmente o seu rosto não fora ferido pelas cicatrizes que o tempo insiste em nos presentear. Aliás, o corpo também permanece o mesmo, senão poucos quilos a mais, mas tais quilos só deixaram Rita mais bonita e vistosa. Sempre bonita, mas antes se achava muito magra e só de uns tempos conseguiu engordar.
No caminho do trabalho, dentro do trem, Rita percebe alguns meninos, às vezes moços e até mesmo velhos encarando-a, e sempre sentira a mesma timidez; baixa a cabeça - ou disfarça o olhar bem rapidamente para outra direção como se não percebesse a vontade que esses homens sentiam de despi-la.

Aos quinze anos, época em que suas primas e amigas do colégio começaram a sair, Rita preferira a pintura. Vez ou outra ela fora as festinhas, às vezes se arriscava, em quase todas se arrependia e não foi fácil gostar das poucas festinhas em que fora: caras idiotas, com as mesmas conversas, meninas bêbadas fazendo sexo com os rapazes sem ao menos se conhecerem – era o que pensava. E num inesperado dia, depois de tanta decepção, ela conheceu Carlos, um rapaz da mesma idade, namoraram seis meses e se casaram apaixonados, na época gostavam das mesmas músicas, os mesmos filmes e cursavam a mesma faculdade.
Não era só na ida ao trabalho que Rita se fizera corar. No escritório, um dos chefes lhe tentara agradar com chocolates, flores e outras lisonjas. Ficara envergonhada todas às vezes e nunca aceitara os convites de almoço propostos pelo galanteador. Após o almoço era a entrega das compras do escritório, umas porções de entregadores tentavam conseguir o seu telefone, ela dizia para eles pararem senão contaria ao chefe. E isso poderia resultar numa possível demissão, visto que um dos encarregados era apaixonado pela dama - logo eles pararam.

Não é de hoje que Rita é assim tão cortejada, talvez isso se dê pela sua introversão mantida junto da simpatia, simpatia esta como a de um botão de rosa no ápice da primavera. Uma mulher que sempre teve pretendente a sua espera e nunca um amigo com quem ela pudesse contar para se abrir, as suas amizades foram só femininas.

Hoje, o casamento de Rita não é mais o mesmo, não que ela previra isto. E dentre tantos homens nos trens da vida, um; um dia, chamou-lhe atenção.

A tarde estava calma, um leve nublado no céu e gotas, tênue, tocavam o chão, no transporte nenhum banco desocupado. Rita estivera, naquele momento, com um filme em sua cabeça, sobre a sua vida, o seu futuro, presente e passado; pensava nos sonhos deixados para trás; nas viagens que prometera a si mesma e, até então, não houvera cumprido – por empecilhos da vida, do trabalho, do marido.
Neste momento, é interrompida por um rapaz sentado a sua frente, ele diz algumas palavras e só na segunda repetição ela entende. Rita senta e agradece a oferta do acento com um obrigado tímido e um sorriso delicado. Percebe, no rapaz, uma sinceridade inigualável, um homem olhou nos seus olhos. Discretamente o observa, por instantes tenta adivinhar seus pensamentos. Nota ser observada também, mas finge não perceber. Os olhos por poucas vezes se cruzam e mostram-se eufóricos, tímidos e palpitantes.

A caminho da outra plataforma, para transferência de trens, Rita pensa no quanto fora estranho às sensações que tivera por causa de um menino e um bom gesto, mas logo luta contra o pensamento, na procura de dispersar-se destas sensações.

Ao entrar no vagão se escora na parede devido à escassez de bancos e olha para o lado, se depara com o rapaz. Intimida-se. Sustenta o olhar assustado, dois, três segundos, vira de súbito o rosto, seu coração inicia uma batida irregular como se fosse parar. As batidas aumentam quando, ao olhar na direção do menino, vê ele se aproximar.

Luis chega, timidamente, se apresenta e comenta a coincidência. Rita sorri envergonhada, olha para todos os lados com medo e se certificar da ausência de conhecidos. Conversam mais, até que ela se despede e desembarca na parada seguinte, recusando o convite de almoço gaguejado por ele.

Como não era de se esperar, repetidas vezes o destino trabalhou para a consumação de um sentimento inevitável: a paixão. Impedido algumas vezes pela pessoa que jurou fidelidade e assinou um documento que formalizara o evento. Mas foi impossível não se render.

Enfim, é chegada à hora de ir embora, por rotina hoje é o dia de o escritório encerrar duas horas mais cedo o expediente, o dia que Rita planeja cada instante do seu tempo para aproveitar o máximo possível das horas de folga. No trem, ela devaneia em pensamentos doces, fica feliz e ampara um ar de pleno contentamento. De tão extasiada, não percebe os homens olhando-a, querendo possuí-la.

Agora, abraçada, ela delira, um delírio descompromissado com o tempo e com as convenções, quer amar, ser amada e é isso que fazem os dois. Deitada sobre o ombro dele e satisfeita, ela fala das coisas da vida, dos desencontros e da vontade de fugir deste mundo que só quer devorá-la, ele escuta com atenção e faz, com a mão, carinho em sua cabeça. Rita adormece.
Despertada por beijos e mais beijos Rita acorda ressaltada, se veste e se despede com beijos envolvidos por abraços numa mescla de euforia e saudade antecipada. Com passos rápidos ela anda em direção à rua de cima, onde fica a sua casa, pois se atrasou, e Carlos, seu esposo, está para chegar.


4 comentários:

Deh disse...

Muito bom.

tem um ritmo gostoso de ler.

Queria aprender a escrever textos longos assim.

Parabens!

bjos

Zuchetto disse...

Mais uma vez repito: VOCÊ TEM O DOM!!! É impressionante, consigo ver as cenas se passando diante dos meus olhos... Parabéns!!!

E com relação a essa crônica tenho algumas coisas a dizer... Talvez batidas, mas, verdadeiras...

Quem não dá assistência perde para a concorrência...

E todo mundo só quer um pouco de amor... Não no sentido sexual... Mas, no âmbito do carinho, da atenção, do cuidado...

Mas, paixões como a de Rita e Luis só são lindas nos filmes, livros, crônicas... Na vida real o conto de fadas perde o seu encanto...

Adorei... Continue no caminho das letras, você realmente tem o DOM!!!


Abraços...

Marcelo Fabri disse...

Muito legal o tom que usou no texto. Talvez este tom te deixe imune à possíveis críticas de mulheres que não acreditem nesse processo que você considerou "inevitável" ou críticas de homens que não possam admitir essa realidade.
Ficou poético sem ser piegas e adocicado. Me fez lembrar do seu gosto pelo Chico Buarque.
Abração!

Anônimo disse...

Eita este texto está mais para Nelson Rodrigues....aha
Adoreiiiiiiiiiiii
Beiijos
Lia (Maysa) rs